Entre as linhas do tempo e as entrelinhas da história.

28 de março de 2011 § 6 Comentários

Lex Kozlik

Era março, e eu havia recém-completado vinte e alguns anos, quando atravessei o portão mal pintado de casa, e vi a edição de abril forrando a caixa do correio. Eu até já tinha pensado em cancelar a assinatura da revista, mas nem sequer tentei, preferi deixar como estava. Talvez aquilo me motivasse a andar até a caixa enferrujada que só era entupida por contas.

tarja_pretaAbri a revista e comecei a folheá-la para ver os desenhos, mas não resisti quando olhei para aquela ilustração do Carlos Caminha, combinada ao design de Paula Bustamante, escrevendo o título da matéria da Jeanne Callegari: Tarja preta. 

A tarja era mais antiga do que aquelas das caixinhas de remédio que não se vende sem um papel cheio de garranchos. Index Librorum Prohibitorum, foi essa a taja criada pelo Papa Paulo IV em reação à Reforma, na tentativa de preservar a Igreja Oficial como a única religião verdadeira no mundo.

Para manter seu território, a Igreja foi capaz de muita coisa. Tudo o que fugisse das normas ditadas e aceitas por ela, era censurado e aqueles que desafiavam a fé oficial, se não abjurassem suas opiniões, eram severamente punidos, na maioria das vezes, com a pena de morte. Ninguém podia pensar por si mesmo e quem ousasse manifestar suas dúvidas sobre o direito da Igreja em mandar e desmandar em todos, certamente, teria uma vida muito curta.

Por meio de doutrinas rígidas impostas, a Igreja reinou suprema. A população não sabia ler, nem tão pouco escrever, e acreditava no que os líderes religiosos afirmavam, afinal, eles diziam ser os porta-vozes de Deus na terra. Os textos sagrados não estavam disponíveis, pois eram reproduzidos em latim, lentamente, pelas mãos dos monges copistas, e esta língua, só era dominada por clérigos e poucos nobres.

A partir da criação da prensa móvel pelo alemão Gutenberg, esse cenário começa a mudar. Depois de 5 anos de trabalho, em 1455 é impresso o primeiro livro, a Bíblia e em 1500, quando Cabral dizia descobrir nossas terras, a Europa Ocidental já produzia mais de 20 milhões de exemplares.

Em 1517, a Reforma, iniciada por Martinho Lutero, começa a brilhar e o poder da Igreja é minado. Lutero traduz a Bíblia para o alemão e a Palavra ressurge ao mundo, já que até então a Igreja Oficial era sua a guardiã. As versões ajudam a alfabetizar os fiéis e é ai que a Igreja, na Contra-Reforma, ataca com uma das muitas armas que usou, o Index Librorum Prohibitorum, a tarja preta.

O primeiro a ser vetado por esta tarja, claro, é Lutero, já que foi ele quem trouxe à luz alguns dos erros doutrinários e as barbáries cometidas pela Igreja durante os séculos em dezenas de milhões de pessoas foram perseguidas, torturadas, crucificadas, apedrejadas, cegadas, decapitadas ou mandadas às chamas. Esse foi o preço a pagar pela difusão do conhecimento. Aqueles que desafiavam à tradição e discordavam da interpretação oficial da Igreja tinham este destino.

Muitas outras foram as medidas restritivas e brutais que surgiram no decorrer dos séculos, mas só entre os séculos 18 e 19, os regimes absolutistas da Igreja perdem terreno na Europa, diante da Revolução Francesa e dos ideais iluministas e, o Vaticano, começa a perder o poder absoluto.

A matéria, aquela da revista, da revista de abril, do mês que ainda não chegou, não fala tudo isso, mas não precisamos muito para cruzar teologia e história e se surpreender com o passado que pouco entendíamos. Como dizem por aí, os ecos do passado influenciam os fatos do presente, a marca da besta que o diga. Então não posso falar que me surpreendo ao ver que os oficiais da Santa Inquisição trocaram de roupa e endereço e do alto de seus púlpitos voltaram a perseguir e exilar os que enxergam além dos dogmas da época.

Quantas edições faltam para que entendam o que estamos falando? A história pode ser incompreendida, porém jamais mentiu. A prostituta se manchou com sangue dos que amaram sua fé mais do que a vida, e ainda há quem diga que o Anticristo está por vir…

Lex Kozlik

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